sexta-feira, 29 de julho de 2011

Humberto Mauro, as Brasilianas, o pensamento industrial e a história do cinema brasileiro

Edgar Roquette-Pinto, grande entusiasta da utilização dos meios radiofônicos e cinematográficos com fins educativos, e Gustavo Capanema, então ministro da educação e da saúde do governo Getúlio Vargas, unem esforços a educadores, higienistas e intelectuais em uma proposta de utilizar a mensagem e o aparato cinematográfico para o engrandecimento do homem através da educação. Há também, nesse momento, uma idéia muito objetiva de fortalecer o nacionalismo desenvolvimentista, tão aclamado por Getúlio Vargas como diretriz de seu governo. Neste contexto, funda-se então, em 1936, o INCE – Instituto Nacional de Cinema Educativo, com gestão do próprio Edgar Roquette-Pinto. Ligado ao Ministério da Educação e Saúde, o instituto tem como seu principal realizador o cineasta Humberto Mauro, que aceita o convite do próprio diretor do instituto e, durante a sua história, será o maior realizados dos mais de 350 filmes produzidos pelo INCE.

Os dez primeiros anos do instituto foram os mais produtivos, tendo a parceria entre Roquette-Pinto e Humberto Mauro uma de suas maiores virtudes. Afinal, Roquette-Pinto tinha prestígio junto ao ministro Capanema, Mauro já era um cineasta reconhecido no meio e o INCE, ainda que com recursos escassos, tinha aparatos técnicos suficientes para filmagem, revelação, montagem e sonorização dos filmes que produzia, além de poder adaptar filmes estrangeiros para o contexto nacional. Foram feitos, assim, filmes sobre assuntos diversos, sempre pelo viés educativo. Eventos cívicos, pesquisas científicas, tratamentos médicos e retrato biográfico de personagens ilustres brasileiros estão entre os temas mais queridos do INCE neste primeiro momento.

Com a aposentadoria de Roquette-Pinto em 1947, o INCE, aos poucos, vai perdendo o seu caráter estritamente educativo por motivos diversos, dentre eles o político. Humberto Mauro acaba tendo mais liberdade criativa e temática e isso se reflete nos filmes produzidos a partir de 1948. O mundo rural, quase inexistente na fase anterior, é bastante trabalhado e querido por Mauro na mesma medida em que o INCE vai perdendo o seu motivo de ser. É grande o movimento no meio cinematográfico para o incentivo estatal ao cinema de ficção longa-metragem e o instituto, em uma política de produção de filmes ficcionais de curta-metragem acaba relegado a segundo plano pelo estado getuliano e pelos próprios cineastas e pensadores do cinema da época.

O método de produção independente e artesanal que Mauro emprega nos seus filmes também se contrapõe ao método industrial defendido como única chance do cinema nacional existir. Neste contexto, Humberto Mauro produz, em Minas Gerais, uma série de curta-metragens com temática rural chamados Brasilianas, dentre outros. Mais tarde, exatamente pelos motivos pelos quais foi preterido, Humberto Mauro é elevado a fundador do Cinema Novo. Isto posto, proponho o estudo desta série de curta-metragens não só na questão da linguagem utilizada ou das referências de Humberto Mauro e seu cinema, mas também trazendo essa análise para os contextos político e histórico do cinema nacional.

Questões levantadas na bibliografia-base consultada mostram ainda outros aspectos, tais como a existência – ou não – de um certo desprezo a respeito da produção de curtas-metragens por Mauro enquanto funcionário público pela historiografia clássica do cinema brasileiro; a influência destes filmes na ideologia do vindouro Cinema Novo; e a importância desta produção dentro do cinema brasileiro como um todo. A reflexão busca, portanto, analisar as influências do cinema educativo de Humberto Mauro na linguagem, na temática e nos modos de produção do cinema das décadas de 1950 e 1960.

Leia mais sobre Humberto Mauro clicando AQUI.



Bibliografia:

AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro, Tese de Doutorado, Instituto de Artes - UNICAMP, 283 pp, 2004.

PFROMM NETTO, Samuel. Telas que ensinam: mídia e aprendizagem do cinema ao computador. 2 ed. Campinas, SP: Alínea, 2001.

SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. São Paulo: Ed. UNESP, 2004.

VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1993.


Texto originalmente escrito para o XII Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Cinema e Audiovisual - SOCINE, ocorrido em outubro de 2008 em Brasília-DF.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

[ Review ] Mortal Kombat Legacy - 1ª Temporada

Equilíbrio. Esse é talvez o ponto essencial para qualquer produto seriado. E talvez seja o maior dentre os pontos negativos da websérie Mortal Kombat Legacy, do diretor Kevin Tancharoen. Lançada neste ano de 2011, a série feita exclusivamente para a internet busca explorar um formato ainda muito pouco utilizado pelas grandes empresas. Contendo 9 episódios de aproximadamente 10 minutos cada, a experiência busca detalhar a origem de personagens já bastante conhecidos do seu público-alvo, abordando alguns pontos ainda ocultos na mitologia criada nos jogos, famosos desde os anos 1990, e fazendo a releitura de outros.

O primeiro problema é o erro estratégico da Warner, dona dos direitos da franquia. Releituras e diferenças entre histórias contadas em mídias distintas nunca foram um problema em si. Afinal, cada mídia tem sua própria linguagem e adaptações em todos os sentidos devem ser feitas para que o produto possa funcionar. A questão é o momento. A websérie foi lançada exatamente no mesmo momento em que o novo jogo estava entrando nas prateleiras, recontando a história base da franquia, em uma espécie de reboot que, ao mesmo tempo, abre uma nova linha narrativa. E mais ou menos o que foi feito com outra grande franquia, só que no cinema: Star Trek. E o modo de história propriamente dito do jogo é o mais detalhado possível. A série, por sua vez, tomou outra direção e conta a mesma trama com diferenças muito grandes em questões básicas, como a relação entre Kitana e Mileena, por exemplo. Ou seja, em tempos onde a estratégia da Narrativa Transmídia abre possibilidades de expansão do universo em uma estrutura multiplataforma, a escolha feita com Mortal Kombat é de criar algo paralelo e não-canônico, o que desagradou grande parte dos fãs mais fervorosos.

Outra questão que também prejudicou bastante a proposta é que, exatamente por ser uma experiência ainda pouco explorada, também não arrebanha muitos investimentos. Pensando em uma franquia de criação de universos paralelos, batalhas épicas, fantasia e elementos fantásticos, questões técnicas de efeitos especiais, direção de arte, fotografia e mesmo interpretação pesam demais. O resultado são episódios visualmente muito pobres, com ambientes mal produzidos, figurinos próximos de cosplays ruins e efeitos especiais bastante limitados. No episódio dedicado a Scorpion e Sub-Zero, por exemplo, ainda que o ambiente esteja bastante adequado com toda a neve e o espaço aberto, o figurino parece uma adaptação de roupas de moleton! Já o elenco reune atores e atrizes que muitas vezes só podem ser identificados quando são explicitamente chamados pelos nomes conhecidos. Mesmo assim, temos um Jax baixinho, uma Sonya Blade bem mais velha, Kano sem barba, Baraka parecendo um orc porcamente maquiado e um Shang Tsung tão raquítico que dá muita dó. Enfim, nenhuma credibilidade é passada pelas áreas mais importantes da produção.

Ainda com todos esses problemas, o que mais incomoda mesmo nestes poucos episódios é a falta de equilíbrio citado no começo deste texto. Cada episódio, mesmo todos eles sendo dirigidos pela mesma pessoa, tem estruturas estética, narrativa e linguística completamente diferentes entre si. Enquanto os primeiros episódios se pautam num certo realismo, os seguintes seguem por outras vias. Ainda que espaços diferentes exijam tratamentos diferentes (um universo policial é diferente de uma dimensão calcada na magia), as bases da construção são alteradas a cada novo ato. Se no momento que trata da história das ninjas assassinas há inserções de animação (ainda que sejam alguns dos pontos mais interessantes dos episódios), esse recurso é totalmente ignorado em outros momentos, sendo considerado, de fato, só uma experiência abandonada. Ou seja, não há uma proposta visual orgânica, onde o espectador pode se sentir confortável. A série perde exatamente o equilíbrio ultrapassando a linha entre experimentação e um emaranhado de cenas e histórias sem nenhuma proposta. E que isso fique muito claro: buscar alternativas narrativas sempre é bem-vindo, desde que essa proposta seja coerente em si.

Ainda assim, essa primeira temporada não é totalmente ruim ou descartável. Algumas coreografias de lutas são bastante interessantes e empolgantes. O episódio sobre Johnny Cage é um bom exemplo disso. Mas é no episódio final, com Sektor e Cyrax que temos momentos realmente muito bons de pancadaria, sem firulas, onde a intensidade de cada porrada é impactante. A leitura de um momento de Raiden assim que chega à Terra também é bem legal, explorando uma sitação sombria e que despertaria, inicialmente, pouco interesse, para falar como seria se alguém aparecesse aqui se dizendo Deus do Raio e do Trovão e protetor do Reino da Terra. Também citei anteriormente que as soluções em animação estilizada são muito interessantes e poderiam ser muito mais utilizadas ao longo da série, mas com menos frequência por episódio do que foi feito. E, claro, conhecer um pouco mais de histórias laterais da mitologia de Mortal Kombat é sempre muito interessante.

Creio que há muito o que a Warner possa evoluir nessa proposta. O que todos podemos sonhar seria com algo muito mais grandioso do que apresentado até aqui. Uma série adulta, no estilo HBO, como Game of Thrones, ou mesmo como Spartacus, da Starz, seria muito mais expressivo, teria certamente um público cativo e poderia, aí sim, explorar a violência inerente à essência de Mortal Kombat, sem abrir mãos de boas histórias de origem que pudessem culminar no tão aclamado torneio, que poderia inclusive ser um ótimo longa-metragem lançado nas salas de cinema. Mas enquanto isso, esperemos que a Warner e a NetherRealm tenham aprendido com os (muitos) erros cometidos até aqui e consigam estruturar melhor seu conteúdo para as mais diversas plataformas e para a vindoura segunda temporada. Não que uma série ruim abale o ótimo jogo lançado este ano, longe disso, mas se souberem como fazer, Mortal Kombat pode ser ainda maior. E com sangue, por favor.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

[ Review ] Game of Thrones - 1ª Temporada

O universo medieval e a fantasia sempre foram fonte de grandes histórias épicas e criações extraordinárias. J.R.R. Tolkien e seu universo já consagrado em tantas obras (desde a clássica trilogia O Senhor dos Anéis até outras obras que se ambientam neste mesmo universo, como O Hobbit - a caminho do cinema - e O Silmarillion, dentre tantas outras) é talvez o maior expoente deste nicho, mas está muito longe de ser o único. C.S. Lewis e a grande obra As Crônicas de Nárnia (que não obteve, no cinema, o mesmo sucesso da trilogia dirigida por Peter Jackson, mas que também se tornou bastante conhecida), Christopher Paolini e a saga que se iniciou em Eragon (que também não foi feliz na sua adaptação para as telonas) e Licia Troisi e suas Crônicas do Mundo Emerso são outros dos muitos exemplos onde mitos e criaturas fantásticas se encontram com espadas, reinos, cavaleiros e armaduras. Game of Thrones, série da HBO baseada na série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo (ou originalmente A Song of Ice and Fire) de George R. R. Martin, também se propõe a explorar essa espécie de gênero, ou subgênero, ao mesmo tempo que consegue estabelecer uma identidade própria, distanciando-se assim das outras obras citadas anteriormente, ao mesmo tempo que mantém uma sensação de familiaridade em seu público.

Basicamente, a primeira temporada segue alguns arcos bastante distintos, mas todos girando em torno no poder, representado pela monarquia que comanda os Sete Reinos de Westeros. Acompanhamos as famílias Stark, Lannister, Baratheon e Targaryen, além do povo Dothraki em suas caminhadas, que se cruzam no passado e no presente em torno do tão desejado Trono de Ferro. Conhecemos espaços como o Porto Real, capital dos Sete Reinos; A Muralha, última proteção ao norte; Winterfell, terra dos senhores do norte; e tantas outras cidades e povoados que nos mostram a extensão e a diversidade deste universo criado por Martin. Nomes de personagens e lugares parecem bastante complicados de se aprender no início, mas naturalmente, ao longo destes 10 primeiros episódios, o espectador passa a conviver com os eles e reconhece-los. O desenvolvimento de cada um deles se dá de forma muito interessante e cada um tem sua jornada pessoal bem explorada. Ainda que seja um mundo complexa, a série é bastante feliz ao trazer o público para si e para os dramas pessoais vividos naquelas terras. E a belíssima abertura é um espetáculo à parte ao montar, quase que em maquete, os espaços que vamos conhecendo ao longo do percurso. Não é necessário sequer aquelas grandes paisagens exploradas por Peter Jackson, por exemplo, para se ter a dimensão dos Sete Reinos de Westeros. Ponto para os criadores que resolveram essa questão de forma muito criativa e não menos fascinante.

Além dos personagens, a trama também se desenvolve com uma facilidade quase que natural. Tudo se encadeia de modo bastante orgânico, funcionando em seus contextos sem parecer forçado. A separação de cada família também garante que, mesmo havendo tantos membros em cada Casa, os indivíduos tem, cada qual, a sua personalidade única, suas motivações e seus caminhos diferenciados. Ainda que há um certo protagonismo da família Stark, não há lados bom e ruim. Há influências familiares, claro, nas ações de cada personagem, mas há também aquilo que os torna únicos. O então alardeado jogo dos tronos se dá exatamente pela diversidade de intenções e consequências das ações de cada um. E exatamente por essa característica, não se pode eleger o herói e o vilão da história desde já, com tantas nuances entre todos eles ocorrendo o tempo todo.

Cada episódio deixa claro, por meio de suas escolhas, que não se deve esperar que, ao final de sei-lá-quantas temporadas, um ou outro seja eleito o rei e viva feliz para sempre. O penúltimo episódio é bastante corajoso ao mostrar que não há receio de se inverter papéis arquetípicos entre todos os personagens. Assim, é aqui que a história consegue estabelecer sua identidade. A jornada do herói, bastante conhecida deste e de tantos outros universos, não pode ser prevista. Ao mesmo tempo que sabemos quem será aquele pelo qual torceremos em histórias tradicionais, e que no fundo sabemos que será ele a salvar o dia, em Game of Thrones nada disto fica claro, aumentando então a tensão de que tudo pode acontecer.

Esta primeira temporada, contudo, deixou alguns (poucos) fãs um tanto quanto decepcionados pela falta de batalhas grandiosas e grandes embates entre as Casas antagonistas. Pode-se dizer que, no cinema, o climax destes combates é bastante necessário. Em O Senhor dos Anéis, por exemplo, cada um dos filmes exigia uma batalha épica por filme. No entanto, em um seriado que pode durar alguns anos e tantas horas mais, é fundamental que se guarde esse momentos para situações que realmente devam ficar marcadas como grandiosas. Até porque a batalha seguinte, nestes casos, precisa ser, necessariamente, maior, mais sangrenta, mais violenta, com mais gente lutando (e morrendo). Isso seria insanamente difícil de se fazer toda temporada. Assim, gostei bastante das escolhas da produção em explorar a personalidade de cada personagem e os desdobramentos de suas ações nesta temporada de apresentação.

Os efeitos especiais estão absolutamente apropriados, sem nenhum exagero, trazendo ainda mais realismo à trama, mesmo esta tendo elementos tão sobrenaturais e fantásticos como uma boa história como essa pede. A direção de arte é muito competente na sua proposta, não devendo nada para nenhuma superprodução do cinema, trazendo referências de tantas culturas diferentes, mas mantendo aquilo que nos é tão familiar. O elenco também mostra muita segurança nas nuances da construção de personagens tão complexos. Nomes como Sean Bean (que parece ter nascido para atuar nesse tipo de produção, lembrando muitas vezes sua competente atuação no primeiro SDA), Lena Headey (depois do épico 300 e de sua participação no seriado de O Exterminador do Futuro como Sarah Connor, em uma reconstrução muito interessante de uma personagem bastante cultuada e que, em muitos momentos, salvou a série) e Mark Addy trazem ainda mais respeito à série. Mais uma vez, o esmero da HBO se reflete na qualidade estética e narrativa de sua produção. Definitivamente, Game of Thrones é recomendação máxima, principalmente em um ano de estréias bastante medianas.
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